Shaivismo

Dando continuidade ao texto que introduz o Vaishnavismo (que pode ser acessado clicando aqui), o objetivo do presente artigo é expor, de maneira sistemática, aspectos doutrinários e culturais a respeito do Shaivismo, de forma a introduzir suas tradições. Agradecemos ao autor do conteúdo original, embora advertimos que esse texto não o contempla em sua totalidade e incorpora pontos de vista dos autores do blog.

“Eu só poderia crer em um Deus que soubesse dançar”
Nietzsche em Assim Falou Zaratustra
1. Visão Geral
O shaivismo é um corpo de tradições do sul da Ásia, centrado no culto à Shiva, ou Śiva (sânscrito: "Auspicioso").
Juntamente com o Vaishnavismo (corrente devotada a Vishnu) e o Śaktismo (que é devotado ao elemento feminino, de Shakti ["Poder Criativo"]), o Shaivismo constitui uma das correntes mais importantes do Hinduísmo clássico e moderno.
As origens do Shaivismo podem ser rastreadas a pelo menos o século 2 AEC e em figuras semi-históricas como o sábio Lākulīśa, embora suas raízes provavelmente estejam muito antes na história das religiões indianas. É tradicional que se associe Shiva a Rudra, divindade presente desde o mais antigo dos Vedas, o Rig Veda.
Rudra,  divindade védica assimilada a Shiva

Na mitologia hindu clássica, Shiva é retratado como o destruidor, que aniquila o universo no final de cada ciclo cósmico, e como o senhor do yoga e do ascetismo.
Como tal, ele é uma divindade profundamente paradoxal - chamada por alguns de asceta erótico - associado às forças da criação e da destruição.
Shiva vive no alto no Himalaia. Seu corpo está coberto de cinzas e seus cabelos possuem mechas longas e emaranhadas. Ele carrega um tridente, veste uma cobra naja como guirlanda e uma lua crescente como enfeite de cabelo. Ele é frequentemente acompanhado por sua esposa Pārvatī e seus dois filhos, Skanda e Gaṇeśa, conhecido pela cabeça de elefante.
Shiva, Shakti, seus filhos Ganesha e Skanda e seu vahana, o touro Nandi

O culto a Shiva assume uma ampla gama de formas e expressões sectárias, que vão do culto devocional popular (bhakti) aos grupos mais extremos e esotéricos, como os yogis da Nath sampradaya, o metafísico shaivismo da Caxemira, os naga babas(sempre vistos se banhando no Ganges durante o Kumbh Mela), e mesmo formas do tantra da mão esquerda  Kāpālikas/aghoris (portadores de caveiras) e inúmeras outras.
No século XI ou XII, o Shaivismo havia se espalhado por grande parte do sul da Ásia em uma ampla gama de diferentes seitas, sistemas filosóficos e formas devocionais.


2. História
As origens históricas do shaivismo não são totalmente claras e foram objeto de debate entre os estudiosos modernos:
Muitos identificaram um tipo de proto-Shiva desde a civilização do Vale do Indo, que floresceu de aproximadamente 2500 a 2000 AEC. no que se tornou o Paquistão moderno e o noroeste da Índia(Mohenjo Daro).
Um pequeno selo encontrado na área do vale do Indus mostra o que parece ser uma figura sentada em uma postura iogue cercada por animais, que muitos consideraram uma forma primitiva de Shiva em seu papel de Paśupati, senhor das criaturas.
Um predecessor mais provável é encontrado nos primeiros textos sânscritos, os Vedas (1500–400 a.C.), que descrevem uma figura assustadora e violenta chamada Rudra (“O Berrador”). Rudra é uma figura feroz e terrível associada a doenças e aspectos descontrolados da natureza, como tempestades.
Na última parte dos Vedas, o Vedanta, nos chamados Upanishads (700-400 a.C.), Rudra-Shiva é descrito como Īśvara, o Senhor, que é ao mesmo tempo a causa do universo, o mago que sustenta todas as coisas através de seu poder e a divindade que transcende o cosmos e ainda habita no coração de todos os seres.
Na época do início do período clássico da literatura hindu (cerca de 500 a.C. - 1000 a.C.), Rudra-Shiva havia emergido como uma poderosa divindade e com uma rica mitologia, como pode ser visto no poema épico em sânscrito, Mahābhārata (500 a.C. - 500 a.C.) e o corpo de compêndios mitológicos conhecidos como Purāṇas (300 a 1200 d.C.).
Juntamente com Brahma e Vishnu, Shiva é tipicamente imaginado como parte da trindade hindu, o Trimurtī.
Nos textos posteriores, Shiva é geralmente identificado como o "Destruidor", Brahma como o "Criador" e Vishnu como o "Preservador", mesmo que todas as três atividades possam ser atribuídas a cada divindade, especialmente nos textos sectários.
Ao lado de sua imagem popular como o Senhor do Yoga, de cabelos compridos e coberto de cinzas, Shiva também aparece como Naṭarāja, o Senhor da Dança, através da qual com seus vários braços cria, sustenta e finalmente engole o universo inteiro.
A mais antiga seita shaivista conhecida, a tradição Pāśupata, que surgiu por volta do século II EC, é dedicada a Shiva como o Senhor das Criaturas.
Desde pelo menos o século VI ou VII, um novo movimento, conhecido como Tantra, surgiu dentro das tradições hindu e budista. Os textos tântricos shaivistas afirmam incorporar e transcender a autoridade dos Vedas:
Como tal, esses textos inspiraram uma proliferação de grupos tântricos shaivistas, como as altamente desenvolvidas escolas Trika e Krama da Caxemira.
No século XIII, uma grande variedade de grupos shaivistas apareceu, variando de grupos altamente ascéticos como os Lākulīśas e Kālamukhas, a seitas iogues como os Nātha Siddhas, a movimentos devocionais como os Liṅgāyatas do sul da Índia.

3. Doutrinas Centrais
As doutrinas básicas da maioria das seitas shaivitas não diferem tremendamente das de outras tradições hindus: como outros hindus, os shaivitas assumem as leis do karma e da reencarnação nos diferentes planos(lokas).
A principal diferença no shaivismo reside em fazer de Shiva a divindade central como origem, causa e fim da existência.
De acordo com uma das escolas shaivistas mais desenvolvidas e influentes, a Shaiva Siddhāṅta, a realidade consiste em 3 princípios básicos: o pati (o Senhor), o paśu (a besta ou seres criados) e o paxá (o vínculo).
Nesse contexto, o Senhor é Shiva, a causa e mestre de todas as coisas; a besta é a alma ou o eu; e o vínculo é o universo fenomenal ilusório no qual a alma viva está enredada.
O objetivo da prática de Shaiva Siddhāṅta é, portanto, libertar a alma vivente de seu enredamento no universo e realizar sua própria divindade inerente.
Várias tradições shaivistas diferem um pouco em suas doutrinas fundamentais:
Os Shaiva Siddhāntas, por exemplo, são geralmente dualistas - isto é, mantêm uma clara distinção entre o Senhor e a alma. Outras escolas, como os shaivistas da Caxemira, tendem a ser não-dualistas, afirmando a unidade suprema de Deus e da alma. 
É importante dizer, contudo, que tais diferenças não consistem simplesmente em discordância teórica, como poderia dar a entender numa primeira vista. É comum que se veja essas atitudes diante da divindade como pontos de vista e, como tal, são relativos também à pessoa que os ouve. Não são raros em tais contextos esotéricos da tradição, a presença de discursos ambíguos, contraditórios ou vazios, num sentido estritamente filosófico, pois o propósito quase nunca é catedrático, resolver mentalmente as equações que envolvem o sagrado e a alma, mas conduzir a consciência até estados superiores de realização. A realidade se desvela conforme a alma se transforma. Frequentemente as doutrinas tem papel meramente utilitário, como uma guia ou um lembrete às gerações futuras de que se está falando da mesma experiência do divino.

4. Código de Conduta
Como a própria divindade asceta-erótica paradoxal Shiva, o código moral das várias seitas shaivistas difere amplamente e pode parecer contraditório:
Enquanto algumas seitas são altamente ascéticas e austeras, outras são explicitamente alheias a moral convencional.
Assim, os Shaivistas mais antigos, os Pāśupatas, eram estritamente renunciantes - tradicionalmente homens brâmanes, da classe sacerdotal,  que mantinham o celibato e abandonavam a vida de gr̥hastha, chefe de família.
O iniciado Pāśupata  faz um voto e se envolve numa prática espiritual que envolve:
  1. Primeiro, o discípulo, coberto de cinzas, viveria num templo de Shiva, adorando a divindade através da meditação, mantras, canto e dança.
  2. Durante o segundo estágio, ele deixava o templo, saía em público e se comportava de várias maneiras bizarras e anti-sociais - como agir de maneira insana e fazer gestos obscenos para as mulheres - convidando deliberadamente o abuso e a censura dos transeuntes.
  3. No terceiro estágio, ele se retirava para algum lugar remoto, como uma caverna ou casa vazia, a fim de mergulhar na meditação; 
  4. por fim, ele se retiraria para um campo de cremação onde ele esperaria sua união final com lorde Rudra na morte.
Os shaivistas mais extremos, como os kāpālikas e os tântricos, no entanto, buscavam um meio mais radical de se unir a Shiva:
Os Kāpālikas tomaram como modelo Shiva em sua forma mais terrível - Bhairava, o temível Senhor que vagueia pela terra carregando o crânio do deus Brahma, a quem ele havia decapitado. Como Bhairava, o Kāpālika está, em certo sentido, além do bem e do mal, além das limitações morais que confinam os seres humanos comuns. De fato, um Kāpālika procurou transcender a própria distinção entre puro e impuro, limpo e imundo, violando deliberadamente os limites sociais e éticos normais: consumindo substâncias impuras, como carne, álcool e fluidos sexuais; ou se envolver em relações sexuais, violando as restrições de classe.
Ultrapassando sistematicamente os tabus sociais convencionais, o Kāpālika esperava alcançar siddhi, um poder divino além dos limites sociais humanos convencionais, como o do próprio impressionante Shiva.










Representação artística de um kapalika coberto de cinzas recitando mantras para a deusa Smashan Tara num crematório(smashan)


5. Livros Sagrados
Além dos Upanishads antigos, como o Śvetāśvatara, outros textos Shaivistas clássicos incluem os Purāṇas Shaivistas, ou obras cosmológicas e mitológicas, como Shiva Purāṇa e Linga Pūraṇa.
Grupos Shaivistas também geraram seus próprios textos; por exemplo, o Pāśupata Sūtra é sagrado para os Pāśupatas, Lākulīśas e outras seitas.
Finalmente, com o surgimento do tantra hindu no início do 4-5o EC, uma grande variedade de material tântrico shaisvita foi composta, incluindo os vários Tantras, Āgamas e Nigamas, que foram revelados pelos próprios Shiva ou Pārvatī, bem como os sofisticados trabalhos filosóficos das escolas shaivistas da Caxemira.
Entre os mais importantes do vasto corpo de textos shaivista da Caxemira estão os trabalhos de Abhinavagupta (950-1025 EC), que compuseram uma síntese monumental das tradições shaivistas em seus Tantraloka e Tantrasara.

6. Símbolos Sagrados
O símbolo principal de Shiva é o Liṅga, uma representação estilizada do órgão sexual masculino.
Essa imagem é tipicamente um falo abstrato e vertical, que pode variar de tamanho de alguns centímetros a vários metros de altura e está sentado em cima do yoni, ou órgão sexual feminino.

Além disso, vários outros objetos sagrados estão associados a Shiva, incluindo o mala (rosário) feito de sementes secas de Rudrākṣa, usadas para a recitação de mantras; o tridente, significando o poder de Shiva de destruir a ignorância e o mal. A tigela dos pedintes, simbolizando a renúncia da sociedade mundana, o vibhūti (cinzas), com os quais os ascetas shaivas sujam seus corpos imitando Shiva como o Senhor da Destruição, e que também pode ser visto como se cobrir com a impermanência das formas físicas. A cobra usada no pescoço de Shiva, representando o poder de Shiva de subjugar o perigo/o ego/medo/ e o poder de transformar o veneno em néctar.

7. Líderes do Shaivismo
Além do próprio Senhor Shiva, o Shaivismo não tem fundador conhecido, embora tenha havido uma ampla gama de figuras históricas associadas à disseminação de seu culto.
Um dos primeiros gurus shaivas é Lākulīśa, que se diz ter sido a forma encarnada de Rudra-Shiva,  ao entrar e reanimar o cadáver de um brâmane no campo de cremação.
Nos últimos 1.800 anos, a Índia viu o surgimento de vários líderes shaivas, variando de devotos em êxtase até filósofos eruditos.
O yogi semi-mítico Gorakhnātha, que se acredita ter vivido entre os séculos 9 e 12, foi considerado por muitos como uma encarnação de Shiva e ajudou a espalhar a devoção a Shiva como Senhor do Yoga.
Gorakhnath, preceptor do Hatha Yoga e da Nath Sampradaya

No sul da Índia, um dos líderes shaivas mais inspiradores foi Basava (morto em 1167), um reformador social e religioso do movimento Liṅgāyata que era conhecido por sua poesia devocional profundamente comovente e por suas doutrinas sociais radicalmente igualitárias. Essa tradição ainda é muito forte hoje em dia, porém popularmente assimilada e imiscuída com o Virashaivismo.(Vira significa heróico) 


8. Gurus e Autores
O shaivismo teve um impacto tremendo e duradouro na filosofia indiana, desde pelo menos a época dos Upanishads até a era moderna.
Shankara (século VIII), a maior figura no desenvolvimento do Advaita Vedanta, ou não-dualismo absoluto, era ele próprio um devoto de Shiva.
Historicamente, no entanto, os teólogos shaivas mais influentes vieram das escolas Shaiva Siddhanta e do Shaivismo da Caxemira.
Filósofos da Shaiva Siddhāṅta como Sadyogoti (século 8 EC) e Bhojadeva (século 11 EC) defendiam um sistema dualista no qual o eu é finalmente igual a Deus, mas fundamentalmente distinto de Deus.
Por outro lado, a escola Pratyabhijñā, ou "reconhecimento", que aderia a uma visão mais radicalmente não-dualista de Deus e do eu, surgiu entre os shaivas tântricos da Caxemira.
Para caxemires como Abhinavagupta e Utpala (925–975), o eu é caracterizado por pura consciência:
Uma vez que reconhece sua própria natureza inerente, o eu é um com o Senhor Shiva, que é o Ser Supremo, consciência e bem-aventurança.
No século 20, a filosofia da Shaivismo da Caxemira foi revivida e recentemente propagada por várias figuras influentes, como o estudioso e filósofo nascido em bengali Gopināth Kaviraj (1887-1976), e o guru Swami Laksman Joo (1907–91), que afirmou ter aproveitado e transmitido recentemente os ensinamentos orais tradicionais das escolas da Caxemira e que consta ter tido muitos discípulos ocidentais, notórios catedráticos, como Alexis Sanderson, indologista de Oxford, André Padoux, Mark S. G. Dyczkowski, Jaideva Singh e outros.


9. Estrutura da organização
A estrutura organizacional básica comum a virtualmente todas as seitas shaivas é o relacionamento mestre-discípulo (guru-śiṣya), que normalmente envolve uma iniciação pelo guru, que então lhe transmite um mantras ativos e ensinamentos orais. 
A maioria dos shaivas pode traçar uma linhagem de mestres e discípulos que se estendem por centenas de anos a um fundador original, como Lākulīśa, Gorakhnātha ou o próprio Shiva.
Além disso, a organização dos vários grupos shaivas difere amplamente, de ascetas reclusos, como os Pāśupatas, a círculos intelectuais e filosóficos como a escola Trika, que surgiu na Caxemira.
10. Templos e Lugares Santos
Os templos shaivas e os lugares sagrados variam dramaticamente, desde pequenos altares domésticos ou santuários de vilarejos a vastos complexos de templos.
Templos e santuários shaivitas podem ser encontrados em todos os cantos da Índia e do Nepal. Eles podem ser tão pequenos quanto Liṅgas na estrada ou do tamanho de grandes complexos de templos, como o vasto Templo Lingaraj em Bhubaneswar ou o Templo Chidambaram em Tamil Nadu, que é dedicado a Shiva como Naṭarāja, o Senhor da Dança.
Diz-se que tradicionalmente existem 12 lugares sagrados na Índia, onde o linga de Shiva brilhava em uma coluna de luz ardente (Jyotirliṅgas), bem como 68 locais onde se diz que liṅgas emergiram como nascidos da própria terra.
Os 12 Jyotirliṅgas são:
1. Somanātha Mandira em Prabhas Patan na região de Saurashtra de Gujarat
2. Mallrī Mallikārjuna Jyotirliṅga devasthāna em Srisailam em Andhra Pradesh
3. Mahākāleśvara Jyotirliṅga em Ujjain em Madhya Pradesh
4. Omakāreśvara Jyotirliṅga em Omkareshwar em Madhya Pradesh
5. Kedāranātha Mandira em Kedarnath em Uttarakhand
6. Bhīmāśaṁkara Mandira em Bhimashankar em Maharashtra
7. Kāśī Viśvanātha Mandira em Varanasi em Uttar Pradesh
8. Tryaṁbakeśvara Śiva Mandira em Trimbakeshwar, perto de Nashik em Maharashtra
9. Nāgeśvara Mandira - Perto de Jamnagar em Gujarat
10. Baidyanātha Jyotirliṅga em Deoghar em Jharkhand
11. Rāmeśvara em Rameswaram em Tamil Nadu
12. Ghṛṣṇeśvara Jyotirliṅga Mandira em Near Ellora, Aurangabad em Maharashtra


O local sagrado mais sagrado da tradição shaiva - e, de fato, para toda a Índia - é a cidade de Varanasi(Kashi), que é chamada de cidade de Shiva.
Segundo a mitologia hindu, Varanasi é Kapālamochana, o local onde o crânio foi liberado. Segundo a mitologia clássica, Brahma desejava cometer incesto com a filha e foi decapitado por Shiva (em sua forma furiosa de Bhairava).
Por ter matado Brahma, Bhairava foi condenado a vagar pela terra com o crânio de Brahma na mão até ser libertado neste local sagrado.
Centenas de santuários linga de tamanhos variados são encontrados em Varanasi, e a cidade também contém alguns dos mais importantes templos de Shiva, como o Viśvanātha.
Fora da Índia, um dos maiores centros shaivitas é o templo de Paśupatināth, perto de Katmandu, no Nepal.


11. O que é sagrado?
Para os shaivistas, o sagrado pode se manifestar em qualquer coisa, desde a pedra mais baixa esculpida em linga até um vasto complexo de templos consagrado como o corpo do próprio Senhor Shiva.
Regiões geográficas específicas, como as montanhas do Himalaia, e indivíduos específicos, como sadhus e gurus, também podem ser encarnações físicas do sagrado.
Em última análise, para a maioria das tradições shaivas, o objetivo é ver todas as coisas como sagradas, pois todas as coisas são criadas e refletidas pelo Senhor Shiva. Tal concepção é peculiar na doutrina dos Tattvas no Shaivismo da Caxemira, em que o Princípio Shiva perpassa por 36 elementos da realidade, desde os mais altos graus de consciência até a matéria em estado bruto, em todo o ser há que se reconhecer o Absoluto. É necessário ter em vista que tal concepção não se encerra enquanto descrição da realidade, como mera exposição doutrinal, mas como uma metodologia vivamente incorporada nas práticas espirituais, sendo, em último caso, fruto de estados de realização dos precursores da doutrina.


12. Festivais Shaivitas
O dia sagrado central do calendário shaiva é o Maha Śivarātri, a “Grande Noite de Shiva”, realizada na 14ª noite da lua nova durante a metade escura de Phalguṇa, o mês do calendário hindu que se sobrepõe a fevereiro e março.


Diz-se que o festival marca a manifestação da vasta Jyotirliṅga de Shiva, ou linga de luz.
Segundo a mitologia hindu, Vishnu e Brahma estavam brigando sobre quem era a divindade mais poderosa. Shiva então se manifestou como um grande linga brilhante, tão vasta que Brahma não conseguiu encontrar seu topo, e Vishnu não conseguiu encontrar seu fundo, afirmando assim a preeminência de Shiva entre os deuses.
Durante o Maha Śivarātri, o linga é banhada pelas cinco ofertas sagradas de uma vaca - leite, leite azedo, urina, manteiga e esterco.
Em seguida, os cinco alimentos da imortalidade - leite, manteiga clarificada, requeijão, mel e açúcar - são colocados diante do linga. Os devotos jejuam durante o dia e depois oram e fazem oferendas ao Senhor durante a noite.
Além de Maha Śivarātri, regiões e templos individuais têm festivais específicos que são comemorados com destaque:
Por exemplo, no templo Kapālīśvara em Mylapore, Chennai em Tamil Nadu, há um festival único realizado em março ou abril, conhecido como Brahmotsava, o Festival de Brahma, que se acredita ter sido fundado pelo próprio Brahma:
Durante a comemoração de 10 dias, uma imagem de bronze de Shiva está sentada em uma imagem gigantesca do touro Nandi e depois é levada em procissão por toda a cidade até que ele retorne à sua casa no templo.


13. Vestimentas tradicionais
A maioria dos sacerdotes e devotos shaivitas modernos não se destacaria dos outros hindus em seu modo particular de vestir.
Sādhus Shaivitas (homens santos) e Sannyāsīs (renunciantes), no entanto, são tipicamente conhecidos por imitar o Senhor Shiva em seus trajes, marcações e penteado: Sādhus Shaivitas e sannyāsīs normalmente mancham seus corpos em cinzas, usam cabelos compridos em mechas de cobra, carregam o tridente e a tigela de esmola e marcam suas testas com cinzas em 3 linhas horizontais, simbólicas do tridente de Shiva.


14. Alimentação e dieta
A maioria das seitas shaivitas não difere significativamente de outros hindus em suas práticas alimentares:
Como em outras tradições hindus, a dieta varia um pouco de acordo com o status de classe, de modo que os brâmanes tendem a ser mais estritamente vegetarianos, enquanto as classes mais baixas podem consumir aves, peixes e carne de carneiro, com várias diferenças regionais. Exceções a esta regra geral incluem as seitas shaivitas mais extremas, como os Kāpālikas, Aghoris e os tântricos à esquerda.


15. Rituais
A adoração shaiva segue o modelo geral de puja (honra) que é comum na maioria das outras tradições hindus.
Acredita-se que o senhor Shiva esteja literalmente, não apenas simbolicamente, presente em suas várias representações físicas, seja uma linga abstrata ou uma escultura antropomórfica da divindade.
Ele deve ser reverenciado com ofertas que envolvem todos os sentidos - paladar, tato, visão, olfato e audição.
Assim, na maioria dos santuários shaivitas, o linga é banhado, vestido e adornado com flores e incenso; várias substâncias (como pasta de sândalo, leite, mel e purê de frutas) podem ser derramadas sobre ele como oferendas.
A oração ao Senhor Shiva também segue o modelo de outras tradições hindus, centrando-se na repetição de mantras (sons sagrados sagrados para Shiva) como “Om Nama Śivāya”.
Os devotos fazem longas viagens a vários templos shaivitas por toda a Índia. Além da cidade sagrada de Varanasi, os principais locais de peregrinação incluem o Templo Mahākāleśvara, considerado o local onde Shiva manifestou sua Jyotirliṅga em Ujjain, Madhya Pradesh, bem como vários locais sagrados no reino montanhoso de Shiva, no sopé do Himalaia de Uttar Pradesh, como Kedarnath, Badrinath, Nīlakaṇṭha e Gangotri, a fonte do rio Ganges.
Gangotri
Kedarnath
Badrinath


Em algumas áreas, particularmente no Nepal, Shiva também é adorado com sacrifício de animais:
As imagens de Kala (preto) Bhairava e Setu (branco) Bhairava em Katmandu, por exemplo, ainda são regularmente homenageadas com a cabeça decepada e o sangue de cabras e búfalos.


16. Ritos de Iniciação
Como em outras tradições hindus, a maioria das famílias shaivitas aceita os ritos básicos do ciclo de vida, ou saṁskāras, que marcam as principais etapas da vida, como batismo, corte de cabelo, casamento e primeira fecundação.
A maioria das seitas shaivitas também exige alguma forma de iniciação (dīkṣā) nas mãos de um guru qualificado.
Shankara com seus discípulos


De acordo com a tradição Shaiva Siddhāṅta, o praticante (sādhaka) passa por 2 iniciações para remover impurezas da alma:
A primeira delas é a iniciação menor (crescimento ), que introduz o praticante nos rituais e escrituras do culto, e a segunda é a iniciação libertadora (nirvana-dīkṣā), que garante a libertação final da alma.


17. Associação
As primeiras seitas shaivas tendiam a ser bastante exclusivas em seus membros:
Os Pāśupatas exigiam que os iniciados fossem brâmanes. Os kāpālikas e os tântricos exigiam que os iniciados participassem de rituais altamente esotéricos. Movimentos devocionais posteriores, como os Liṅgāyats, fizeram uma tentativa explícita de quebrar as barreiras de classe e apelar para homens e mulheres de todas as camadas sociais, dos brâmanes aos intocáveis.


18. Impacto cultural
O shaivismo teve um impacto profundo e duradouro em praticamente todos os aspectos da cultura indiana e, cada vez mais, ocidental, da dança e música à literatura e pintura. Vide o alcance do Yoga na cultura ocidental hoje em dia, em farta medida desenvolvido dentro de sampradayas associadas mais ou menos ao shaivismo ao longo da história.
Como Naṭarāja, o Senhor da Dança, Shiva é frequentemente identificado como a inspiração espiritual para a dança clássica indiana, e sua imagem deu origem a uma tradição de escultura, arquitetura de templo e pintura com mais de 2000 anos.
Shiva em sua forma Nataraja - Senhor da Dança

Além disso, existe um vasto corpo de literatura dedicado a Shiva, desde o sânscrito clássico dos épicos e Purāṇas até a poesia vernacular de autores como Basava e a tradição Liṅgāyata do sul da Índia.
Finalmente, sem dúvida o maior teórico estético da história indiana foi Abhinavagupta, o mesmo teólogo da Caxemira que sintetizou as principais escolas shaivitas e tântricas de sua época:
Abhinavagupta desenvolveu um sofisticado sistema estético baseado nos vários rasas, ou "sabores", da experiência estética, que teve um impacto duradouro na poesia indiana, no drama e na literatura religiosa nos tempos modernos.
De fato, para Abhinavagupta, a última experiência estética foi santa-rasa (paz), que é a mesma experiência de tranquilidade que é experimentada na união não-dual do eu e da realidade absoluta.

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