Vairagya - O início da Jornada Espiritual


"O primeiro estágio no desenvolvimento da aspiração espiritual  é uma sensação de inerente insatisfação com tudo que é deste mundo, e um anseio por aquilo que não está visível aos olhos"
Swami Krishnananda Saraswati(1922-2011)




          Decidi recomeçar o blog com um tema relacionado a origem da própria  busca espiritual. Vairagya(no caso Vi/sem+ raga/paixão/interesse) poderia ser traduzida como desapego, desinteresse, que é uma aplicação bem usual do termo, mas neste artigo abordarei uma nuance mais psicológica/existencial, isto é, de que busca espiritual se inicia com um desconforto. Um tipo muito específico de sofrimento que pode-se entender através do exemplo a seguir: 

Podemos presumir que uma barata tenha muitíssima dificuldade em visualizar um mundo além dela mesma, ou seja, um mundo em que ela não seja a medida de todas as coisas. É inconcebível para uma barata o modo ser de um mamífero, assim como, de modo similar, podemos dizer que a mesma barata manifesta consciência em um grau absolutamente incomparável com relação a um protozoário.  Isto é, cada nível tende a enxergar a si mesmo como suficiente. É para uma barata inconcebível a liberdade e as abstrações do espírito humano. Ocorre com o homem algo similar em relação aos planos superiores. 
 
         Assim como há uma consciência que se manifesta gradativamente, e progressivamente, de formas mais rudimentares para outas mais sentientes,  a consciência humana também deve ser vista como um germe de algo maior, um estágio a ser superado, para os estados além do próprio homem. Para a auto-realização ou, segundo alguns, para a realização divina.

Retomando o tema central, em que consistiria então esse desinteresse(Vairagya)? Diante deste cenário acima, imagine o caso de um sujeito que dotado de todas as faculdades que lhe permitiria gozar dos objetos exteriores, da vida cotidiana, enfim, da humanidade ordinária, mas que por alguma razão interior não possui interesse ou vontade de vivenciá-la, de existir dessa forma.  Veja que aqui não se trata da pessoa que despreza algo por incapacidade de obtê-lo, ou seja, mera frustração. Isto é, é fácil para um homem feio desprezar a tentação das belas mulheres(kama) ou mesmo para um indivíduo que fracassa profissionalmente desprezar o mundo do trabalho, da atividade econômica.(artha) Não é deste último tipo de recalque que se trata. Acrescento ainda que nada impediria que um sujeito além de fracassar profissionalmente também fracasse em suas práticas espirituais, por exemplo, seja por falta de constância ascética ou por puro egoísmo. No caso deste artigo, lembro, vê-se um sujeito que reúne  todas qualidades pessoais para ser bem sucedido nestas diferentes dimensões comuns da experiência humana, mas que eventualmente tudo se torna maçante, sem sentido, a vida comum já não constitui para ele um modo de vida plenamente satisfatório. Ele almeja mais. Ele almeja transcender a condição humana. Ele almeja a eternidade. De algum modo é o contrário da frustração: na frustração há um fracasso na satisfação do desejo, por falta dos meios adequados, enquanto que em vairagya os meios existem, mas a motivação foi embora.

O objetivo deste blog são pequenas notas pessoais e concluo ressaltando que não deixa de impressionar que a jornada espiritual se inicie por um processo de crise, de sofrimento, de auto-avaliação, mesmo de depressão, nigredo. Ela é a dor de parto que prenuncia o nascimento de uma consciência superior.
            

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